"Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caça continuarão glorificando o caçador" - Provérbio africano.
18 de dezembro de 2010
12 de dezembro de 2010
2 de dezembro de 2010
SEMINÁRIO: Comunidades Quilombolas & Unidades de Conservação
1 de dezembro de 2010
“O racismo fica escancarado ao olhar mais superficial”
A luta pelo reconhecimento dos direitos, a dignidade e a autonomia da população negra tem heróis de muitos países, entre África e Américas. É uma luta tão antiga quanto a diáspora negra produzida pelo vergonhoso comércio de africanos que vigorou no Atlântico por quase quatro séculos. É por se tratar de uma luta de tantos povos, lugares, tempos e pessoas que impressiona tanto conhecer a vida do ativista brasileiro Abdias do Nascimento.
Ao longo de seus 96 anos, Abdias esteve presente em e participou de inúmeras passagens importantes das lutas negras do século 20, não só no Brasil, mas também nos Estados Unidos e na África. Nasceu em 1914, numa época em que ainda eram extremamente recentes as lembranças da escravidão no país, abolida em 1888. Nos anos 1930, engajou-se numa iniciativa pioneira, a Frente Negra Brasileira, na luta contra a segregação racial nos estabelecimentos comerciais de São Paulo. Por sua militância política, foi preso pela ditadura Vargas.
Nos anos de 1940, viajou pela América Latina como artista – é escritor, ator e artista plástico – com a Santa Hermandad Orquídea, e fundou o Teatro Experimental do Negro, entidade que organizou a Convenção Nacional do Negro em 1945-46. A iniciativa foi responsável pela formulação de diversas sugestões de políticas públicas para a população negra durante a Constituinte de 1946. Abdias ainda organizou o 1° Congresso do Negro Brasileiro em 1950.
Militante do Partido Trabalhista Brasileiro, foi perseguido pela ditadura militar, instalada pelo golpe de 1964. Exilado nos Estados Unidos, travou contato com o movimento negro no país, no auge da efervescência do Black Power. Nos anos 1970, participou do movimento pan-africanista e foi professor universitário na Nigéria. Nesse período, atuou em países como Jamaica, Tanzânia, Colômbia e Panamá, mantendo contato com lideranças como Aimé Césaire, Frantz Fanon, Léon Damas, Richard Wright, Cheikh Anta Diop, Léopold Sédar Senghor e Alioune Diop.
Ajudou a organizar o Movimento Negro Unifi cado (MNU), fundado em 1978, e, na redemocratização dos anos 1980, voltou ao país, foi eleito deputado federal e, depois, chegou a senador pelo PDT, sempre defendendo projetos em benefício da população negra. Junto com a esposa, Elisa Larkin Nascimento, fundou o Instituto de Pesquisas e Estudos Afro-Brasileiros (Ipeafro), atualmente presidido por ela.
Na entrevista a seguir, respondida por e-mail por sua esposa, Elisa, e subscrita por ele, Abdias dá um recado à nova geração de jovens negros militantes: “O conselho que dou para essa juventude é estudar, aprender, conhecer e se preparar para, então, se engajar: agir, criar, interagir e participar da construção das coisas.”
Qual a importância de se criar o Dia Nacional da Consciência Negra? Por que o senhor lutou para que a data fosse instituída no dia 20 de novembro, dia da morte do líder Zumbi dos Palmares, e não no dia 13 de maio, dia da promulgação da Lei Áurea, data antes escolhida pelo governo?
Abdias do Nascimento – A demanda de se instituir o Dia Nacional da Consciência Negra no dia 20 de novembro surgiu na década dos 1970 a partir do Rio Grande do Sul, onde o saudoso poeta Oliveira Silveira militava no Grupo Negro Palmares. O movimento negro como um todo, organizado em entidades em vários estados do Brasil naquela época, a encampou. Eu já costumava dizer que a Lei Áurea não passava de uma mentira cívica. Sua comemoração todo ano fazia parte do coro de autoelogio que a elite escravocrata fazia em louvor a si mesma no intuito de convencer a si mesma e à população negra desse esbulho conhecido como “democracia racial”. Por isso o movimento negro caracterizou o dia 13 de maio como dia de reflexão sobre a realidade do racismo no Brasil.
O dia 20 de novembro simboliza a resistência dos africanos contra a escravatura. Essa resistência assume diversas expressões táticas e perpassa todo o período colonial. Durante esse período, em todo o território nacional, havia quilombos e outras formas de resistência que, em seu conjunto, desestabilizaram a economia mercantil e levaram à abolição da escravatura. Esse é o verdadeiro sentido da luta abolicionista, cujos protagonistas eram os próprios negros. Eles se aliavam a outras forças, mas, muitas vezes, foram traídos por seus aliados. Mais tarde, entretanto, a visão eurocêntrica da história ergueria os aliados como supostos atores e heróis da abolição. A comemoração do Dia Nacional da Consciência Negra em 20 de novembro tem como objetivo corrigir esse registro histórico e reafirmar a necessidade de continuarmos, nós, os negros, protagonizando a luta contra o racismo que ainda impera neste país.
O Memorial Zumbi, movimento nacional que agregava entidades do movimento negro de todo o país em torno da demanda da recuperação das terras da República dos Palmares, ergueu essa bandeira na década dos 1980. Tive a honra de participar desse movimento. O Memorial Zumbi instituiu a tradição de se realizarem peregrinações cívicas anuais às terras de Palmares na serra da Barriga, estado de Alagoas. Conseguimos, em 1989, a desapropriação dessas terras. O objetivo era instalar ali um polo de cultura de libertação do negro. Hoje, existe um monumento e assistimos a cerimônias cívicas no dia 20 de novembro em que participam altas autoridades do governo federal e estadual. Mas para nós, negros, o monumento lembra a necessidade de continuarmos lutando pelo fim da discriminação racial.
O senhor esteve no exílio, de 1968 a 1981, por conta da enorme repercussão que teve a sua “carta-declaraçãomanifesto” na qual denunciava a farsa do paraíso racial que se dizia viver na América Latina. Como o senhor avalia a questão da “democracia racial” no Brasil de hoje? Onde é possível dizer que a crítica a ela colheu frutos?
O racismo no Brasil se caracteriza pela covardia. Ele não se assume e, por isso, não tem culpa nem autocrítica. Costumam descrevê-lo como sutil, mas isto é um equívoco. Ele não é nada sutil, pelo contrário, para quem não quer se iludir ele fica escancarado ao olhar mais casual e superficial. O olhar aprofundado só confirma a primeira impressão: os negros estão mesmo nos patamares inferiores, ocupam a base da pirâmide social e lá sofrem discriminação e rebaixamento de sua autoestima em razão da cor. No topo da riqueza, eles são rechaçados com uma violência que faz doer. Quando não discrimina o negro, a elite dominante o festeja com um paternalismo hipócrita ao passo que apropria e ganha lucros sobre suas criações culturais sem respeitar ou remunerar com dignidade a sua produção. Os estudos aprofundados dos órgãos ofi ciais e acadêmicos de pesquisa demonstram desigualdades raciais persistentes que acompanham o desenvolvimento econômico ao longo do século 20 e início do 21 com uma fi delidade incrível: à medida que cresce a renda, a educação, o acesso aos bens de consumo, enfim, à medida que aumentam os benefícios econômicos da sociedade em desenvolvimento, a desigualdade racial continua firme.
Pensando o caso de Cuba, em específi co, como o senhor considera o fato de que um governo dito socialista, num país de população negra tão expressiva, aparentemente não mostra avanços na participação política dos negros?
A ideologia racial cubana é irmã gêmea da “democracia racial” brasileira. O ideal da “Cor Cubana” acompanha a constante referência ilusória à suposta cordialidade latina. A história recente envolve os ideais da revolução, o engajamento militar na África durante as guerras de libertação nacional e a atuação internacional de médicos em países como o Haiti. A dinâmica entre o sonho e a realidade do socialismo dá um tom distinto ao questionamento do sistema no que diz respeito à questão racial. Entretanto, não há como negar certos fatos:
(a) Os negros não estão presentes no poder político do regime cubano em número proporcional à sua participação na população.
(b) As desigualdades raciais perduraram ao longo do processo de mudança social implantado após 1959 e continuam sendo constatadas em pesquisas recentes.
(c) Há uma crescente discussão da questão racial em Cuba conduzindo ao reconhecimento de que a revolução não resolveu essa questão.
(d) Hoje, a demanda por uma abertura democrática do regime não é o discurso só de uma minoria elitista, branca, incrustada em Miami e aliada aos interesses do bloqueio. Há uma oposição de origem humilde, composta em parte por negros e mestiços que apontam processos de exclusão e de desigualdades raciais. Não podemos mais rechaçar essa oposição como um bando de criminosos cuja traição se basearia em mentiras fabricadas pela direita fascistoide.
Durante o período em que o senhor esteve exilado, pôde estabelecer o contato entre o movimento social negro norte-americano e o da América Latina, até então, quase desconhecido daquele. Esteve com movimentos inspiradores, como os Panteras Negras. Atualmente, muitos desses lutadores ainda pagam o preço da sua resistência, vários estão presos desde os anos 1970, condenados à pena de morte ou à prisão perpétua nos EUA. Como pode ser possível que se fale tão pouco desses presos políticos?
Como sabemos, a mídia é dominada pelo poder econômico e não lhe interessa divulgar esses casos. Mas não é só o poder econômico, também a ideologia pode contribuir para isso. Não é fato novo para mim. Na década de 1940, quando o Brasil passava por um processo de redemocratização depois do regime do Estado Novo de Getúlio Vargas, eu ajudei a fundar o Comitê Democrático Afro-Brasileiro.
Aguinaldo Camargo e Sebastião Rodrigues Alves participaram, além de outras lideranças, e nós nos reuníamos na sede da União Nacional de Estudantes, a UNE, uma organização de esquerda. O Comitê era aberto e defi niu como prioridade imediata a luta pela libertação dos presos políticos do regime. Entretanto, quando essa libertação foi conquistada e nós negros queríamos tratar das questões específi cas relacionadas à discriminação racial, nossos companheiros brancos de esquerda não aceitaram. Taxaram-nos de racistas e exigiram que fizéssemos autocrítica. Não entramos nessa conversa, evidentemente. O Comitê morreu de morte matada. Depois, na época em que eu voltava do exílio no final dos anos de 1970, havia um movimento pela anistia ampla e irrestrita. Mas a liderança esquerdista desse movimento não reconhecia a prisão dos negros por discriminação racial como uma forma de perseguição política. Morriam trabalhadores negros nas prisões, como continua acontecendo hoje. Nós negros consideramos isso uma questão política. Mas, para as forças de esquerda, presos políticos seriam apenas os fi lhos de classe média e alta, quase todos brancos, que roubavam bancos, jogavam bombas ou sequestravam embaixadores. Esses, em muitos casos, efetivamente haviam cometido atos de violência, enquanto não raro negros são presos e torturados sem terem cometido crime algum.
Qual a importância que o senhor credita ao hip hop, no Brasil, para o movimento negro e para a população negra em geral? É um movimento herdeiro das lutas que pioneiros como o senhor travaram?
Considero o hip hop um movimento muito importante, sobretudo no aspecto da autoestima, pois as letras de muitas músicas e a atuação social de muitos de seus integrantes ajudam os jovens negros e as jovens negras a elevar o conceito que têm de si mesmos e de sua comunidade. Certamente, o hip hop cuida de muitas questões que são as versões atualizadas dos problemas que o movimento negro tem enfrentado desde sempre, e o hip hop oferece para a juventude uma referência, uma esperança e uma visão diferente daquela que a sociedade dominante e os meios de comunicação cultivam e que a juventude reconhece como mentirosa e interesseira. Entretanto, creio que seus protagonistas tenham pouco acesso aos referenciais históricos das lutas anteriores, e, nesse sentido, sua condição de herdeiros seja um pouco simbólica. Por exemplo, me parece que eles conhecem mais a história do movimento negro nos Estados Unidos, o discurso de Malcolm X e Martin Luther King, e os referenciais do reggae da Jamaica do que os fatos e os discursos do movimento negro no Brasil dos séculos 20 e 21. Pode ser que eu esteja equivocado, espero que sim!
Depois de séculos de lutas, hoje vemos uma juventude negra que está conseguindo chegar às universidades, ter mais oportunidades econômicas, formando uma elite intelectual negra. Como o senhor compararia a atual situação da juventude negra com a da época do senhor, com a da Frente Negra? Quais os conselhos que daria a essa juventude?
As entidades negras atualmente promovem muitas iniciativas análogas às da Frente Negra. O Estatuto de Igualdade Racial e todos os outros dispositivos legais, programas governamentais e instituições ou órgãos de governo dedicados às políticas públicas de igualdade racial, por exemplo, são conquistas concretas, frutos da atuação política do movimento negro. Nenhum deles foi uma bênção ou dádiva dos governantes ou políticos, muito ao contrário. Se há uma crítica ao Estatuto, é porque, em razão da ferrenha oposição contra ele nos setores conservadores que dominam a política brasileira, o processo de negociação de sua aprovação no Senado impôs uma série de aparentes retrocessos na letra da lei em relação a programas de governo já implantados como resultado da atuação do movimento negro. Mas foi o movimento negro que conseguiu implantar esses programas, então ele está longe de se limitar a atacar o governo. Foi ele que inseriu na Constituição de 1988, por exemplo, o direito das comunidades quilombos à titulação de suas terras. O conselho que dou para essa juventude é estudar, aprender, conhecer e se preparar para, então, se engajar: agir, criar, interagir e participar da construção das coisas. Cada um tem seu talento e sua área de interesse. O importante é se colocar a serviço do avanço e dedicar-lhe as suas energias.
Muito se fala do movimento negro no âmbito urbano, mas o Brasil assistiu, nos últimos anos, ao crescimento do movimento negro rural, particularmente o movimento quilombola, para o qual também o senhor teve especial importância na garantia do direito fundiário das comunidades quilombos. Qual a importância da questão da terra para o movimento negro, hoje?
Como fruto da mobilização política do movimento negro, a Constituição de 1988 estabeleceu o direito à titulação das terras das comunidades chamadas “remanescentes de quilombos”. Em 1989, como fruto do trabalho do Memorial Zumbi e do movimento negro como um todo, criou-se a Fundação Cultural Palmares, que seria responsável pelo processo de titulação. Entretanto, a Fundação é um órgão do Ministério da Cultura que não dispõe dos recursos humanos ou fi nanceiros para executar o trabalho de titulação. Essa tarefa passou, então, para o Ministério da Reforma Agrária. Entretanto, a Fundação Palmares dá parecer sobre a questão fundamental da condição quilombola, que determina o direito à titulação. O grande argumento para negar o direito de uma comunidade é alegar que ela não tem ou não provou que tem antecedentes históricos que a qualifi quem como remanescente de quilombo. O processo tem sido muito lento. Alguns anos atrás, a Fundação Palmares publicou um levantamento em que identificou a existência de mais de três mil comunidades quilombos em todo o país, ressalvando que certamente não conseguiu realizar um levantamento exaustivo ou defi nitivo. A questão da titulação esbarra, evidentemente, em poderosos interesses contrariados que, no contexto rural, ainda exercem a violência como forma de se impor.
Vale observar, também, que é negra a grande maioria dos sem-terras hoje organizados e conduzindo uma luta que tem sido defi nida como um dos mais importantes fenômenos sociais e políticos do século 21. A importância da terra está fundamentalmente ligada ao fato de que as cidades estão inchadas, inviabilizadas, e não dão conta de oferecer condições de vida dignas à população que já as habita, tendo grande parte dela migrado do interior. A economia rural baseada na agroindústria não tem condições de sustentar a população rural, porque não oferece trabalho em condições dignas. A produção agrícola baseada em unidades pequenas, familiares ou comunitárias, é a única solução para o campo e ela precisa, hoje, de subsídios e políticas de Estado para se viabilizar. As comunidades quilombos fazem parte integral dessa solução e precisam de subsídios específicos e de políticas específi cas para o seu desenvolvimento como unidades comunitárias rurais.
Na América Latina em geral, a questão étnica tem ganhado uma importância fundamental nas lutas políticas dos povos, em países como Bolívia, Equador, México – com diferentes tons, mas sempre realçando o fator étnico sobre o fator classe. No Brasil, o fator étnico de maior potencial é justamente o negro. Qual o papel que o fator étnico ocupa na luta política nacional? Será que ele poderá ocupar papel de semelhante preponderância na luta política?
Não recorro ao eufemismo “questão étnica” porque creio que seu uso reforça o equívoco da suposta acepção biológica do termo “raça”. Esta é uma pista falsa cuja manipulação abastece de grande e valiosa munição aqueles que procuram desmoralizar e deslegitimar a nossa luta. A categoria social de “raça” é uma realidade socialmente construída que independe das justifi cações genéticas e biológicas. Estas constituem apenas um pequeno episódio no milenar processo histórico de construção das categorias sociais de “raça”, da subordinação e desumanização ideológica de grupos raciais e da discriminação racial institucionalizada em sociedades capitalistas plurirraciais modernas e contemporâneas. Os grupos discriminados nessas sociedades não correspondem a nenhuma etnia, portanto, é conceitualmente confuso e cientificamente incorreto falar de “discriminação étnica” quando o alvo desse tratamento vem a ser a população negra ou indígena, por exemplo. Um negro no Brasil, na Venezuela ou na Costa Rica não é identifi cado como ibo, acã, zulu, hutu ou ioruba, mas como negro ou afrodescendente. Os indígenas nas Américas não são discriminados na sua condição de maias, incas, quéchuas, aimaras, cheyenne, iroquois, sioux, tupis ou guaranis, mas como indígenas.
Adotar o eufemismo “questão étnica” significa, a meu ver, uma tática defensiva que instaura a confusão conceitual entre nós e entrega os pontos aos adversários que alegam que nós, ao defendermos os nossos direitos, estamos sendo racistas. Ao aceitar a defi nição deles, identificando a categoria social de raça com o critério genético biológico, nós nos submetemos ao discurso hegemônico que desmoraliza nossa própria luta e deslegitima nossa própria experiência histórica de opressão e discriminação. Dito isso, creio que fica evidente que considero o “fator racial” como uma questão eminentemente política e não a separo de uma suposta “outra” luta política “maior”. Considero a luta por justiça social e pela dignidade dos povos como parte integral da luta por nações mais justas e seguras, por uma comunidade internacional mais justa e coesa, e por um futuro de vida humana capaz de sustentar com dignidade nossa população, nossos ambientes e nosso planeta.
(Publicado em Desinformémonos. Colaboraram Rafael Gomes e Gabriela Moncau)
Fonte: Brasil de Fato
29 de novembro de 2010
Defini-la?
Defini-la? Impossível!
Talvez seja vinho tinto, suave ou seco (tanto faz)
Tequila com sal ou puro, tomaria sem pensar
Sem pestanejar
Caipirinha, das fortes, tradicional com cachaça
Samba, MPB, Bossa Nova...Santo forte?
Teoria, literatura, poesia, tambores de roda
Exagerado, eu? Talvez
Olhos esverdeados nas noite paulistanas, cabelos vermelhos subindo
Entre seus dedos
Me faz sonhar
Pescoço nu, vampiro eu?
Quem sabe, talvez seria – adoraria
Açaí com Água de Coco?
Caetano ou Vinícius? Tanto faz!
Se fizessem definir você
Guarulhos ou Congonhas
Na próxima vez?
O nome garanto saber
Para não apresentar-me louco, insano
Milena? Talvez!
Por Willian Conceição
Depois das loucuras desses dias
24 de novembro de 2010
23 de novembro de 2010
COUTO, Mia. Cada homem é uma raça; A Rosa Caramela. Editora Caminho. 3ª edição.1990.
Entre os mortos e vivos. O colonial e o independente. Entre raças? Cada homem é uma raça, possui algo que é próprio, todos com seus conflitos, vivenciado de formas especificas. “A pessoa é uma humanidade individual. Cada homem é uma raça, senhor polícia”. Mia Couto, consagrado autor moçambicano em seu livro 'Cada homem é uma raça' narra experiências aparentemente, quase que sempre de um olhar, jovem. O jovem permeado de conflitos, permeado dos seus, permeado por tantos outros, das pessoas que entre-cruzam seu caminho, da nação recém liberta, no conto 'A Rosa Caramela', Mia surgi do olhar de um jovem, na sua trajetória, o rapaz vive com a família, do problema de coração do pai, a impossibilidade de melhoria de vida da família, as reclamações da mãe, vitimas da doença do pai, a obrigatoriedade de trabalhar tornar-se sozinha da figura feminina. O pai, encadeirado vive quase que unicamente a lastimar seu destino cruel. No contexto a estória se dá em período de independência do país. O velho, ou seja o colonial é negado. O que seria de uma pessoa que fosse vista, a declarar-se apaixonada por uma estátua, é uma pedra, ora o conto trata-se de Rosa Caramela, a corcunda que amava estátuas, inclusive de colonialistas. É possível amar uma estátua colonial, num país no pós-colonial? Louca? Mia, trabalha a “loucura”, o criado, o imaginário entrelaçado com o real e o irreal da vida de uma mulher, 'Rosa Caramela' que vive a amar as estátuas e sofre por um amor perdido. O amor perdido, real ou irreal? Mia é capaz de mergulhar nos personagens, criando duvidas, aguçando-nos a questionamentos sobre os dramas, os personagens possuem segredos, segredos que faz agarrar-mo-nos em suas palavras. Podemos nos ver no conto, vitimas de desilusões somos todos, de loucuras. Como a de Rosa Caramela? Posso dizer que sim, o que ela expressa no conto, é um pouco de nós, da gente, dos apegos e das carências que as desilusões das separações e dos conflitos nos fazem construir. O mundo, ora estagnado com o certo da loucura, outra em movimento, as incertezas, o mundo afinal estaria sempre interligado, me parece que é algo presente nos contos de Mia Couto. Sua capacidade de nos envolver é magistral, envolver de forma a mergulhar profundamente e construirmos um contexto pra além de suas palavras. A Rosa, marcou-me pela capacidade do auto de tornar o seu drama especifico em comum.
20 de novembro de 2010
A imagem que criamos: 20 de novembro e os desafios da desconstrução da democracia racial
Morreu na luta, um negro a ser lembrado – Zumbi dos Palmares, diziam. Apesar das controvérsias que hoje os estudos apontam acerca deste importante personagem da resistência ao sistema colonial escravista brasileiro, a data de 20 de novembro, dia de sua morte em 1695 tornou-se símbolo da consciência negra e do pensar a condição da população afro-brasileira no país.
Sem vitimismo, é importante lembrar que o Brasil teve como base de sua formação o sangrar de milhões de corpos humanos, desumanizados, inferiorizados e forçados como bichos nos engenhos, cafezais e minas. De todos os cantos do continente africano viriam, diversas culturas, formas de ser e ver o mundo – essa pluralidade pode ser compreendida como sendo própria do continente africano. Negada sim, apagado através do atlântico, não.
É através da história da resistência desses povos no Brasil e de seus descendentes, expresso nos quilombos que resistiram e resistem até hoje, nas centenas de revoltas, no samba de roda, do candomblé e da macumba, da luta do movimento negro por direitos sociais, assim como do levante dos malês de 1835 na Bahia, que a data de 20 de novembro permaneceu para construir um olhar crítico da história e da realidade infame que são vitimas a população afro-descendente mesmo após a abolição formal de 13 de maio de 1888.
O mito da democracia racial e da eliminação do preconceito a partir de um país mestiço, simbolizado e apregoado na obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala conduziu-nos a pensar a importância cultural do negro para a identidade nacional, mas essa foi incapaz de apagar a estrutura desigual e racista que está intríseca no Brasil. Invisibilizados, são as maiores vitimas da insegurança pública, acarretam as piores condições de trabalho e moradia, possuem as maiores dificuldades no acesso a universidade e a saúde pública, mesmo sendo metade da população brasileira (PNAD 2005).
A arte, a literatura são expressões de uma retórica/discurso e refletem um olhar e uma tese sob dada realidade. Para isso é importante analisa-las e perceber como foi construído e pensado o negro. na obra do espanhol Modesto Brocos erradicado no Brasil, intitulada 'Redenção de Cã', é retratada a salvação dos descendentes Cã, filho mais jovem de Noé. Cã é pai do servo Canaã, origem dos camitas e dos diversos povos de “raça” negra, esses estariam condenados à servidão, segundo o pensamento que justificou a dominação dos europeus sob essas populações. O quadro representa a forma segundo o artista, que esses povos teriam para alcançar o perdão e quebrar a maldição de serem negros – a mestiçagem.
Na imagem está uma avó negra, uma filha mestiça, um genro de tipo ibérico, deste processo nasce uma criança branca. A teoria do intercruzamento entre brancos e negros levaria a um branqueamento da população, onde os negros desapareceriam gradualmente. Chegaríamos no século XXI sem negros no Brasil, afirmavam. Este foi o discurso muitas vezes apresentados pelas elites brasileira a nível internacional, expondo o grande exemplo brasileiro de democracia racial. Aqui aparece o negro como imagem a ser superada, desta forma cria-se uma hierarquia étnica onde o mestiço é uma etapa na busca do padrão ideal, leia-se o branco.
Multi-étnico o brasileiro é de fato, mais o importante é que possamos refletir na imagem que construímos acerca dos afro-brasileiros e o papel que essa população tem em nossa sociedade. Nosso desafio como nação é assumir as especificidade que nos deram origem, as desigualdades que nos assolam, desta forma é fundamental assumirmo-nos como nação racista que somos, para que o conjunto da sociedade possa debater abertamente nossos problemas e assim tornarmos capazes de alcançarmos uma verdadeira democracia.
* Willian Luiz da Conceição é acadêmico de História, Militante Social e bolsista/Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Relações Interétnicas (NUER/UFSC).
17 de novembro de 2010
29 de outubro de 2010
Willian Conceição
20 de outubro de 2010
A imagem do isolamento
Talvez um cinema fosse um ótimo programa para ver pessoas diferentes de longe, afastadas cada um com o seu mundo
A correria dos dias tem interrompido as possibilidades de respirar fundo, de conversar sobre o mar que há tempos não enxergo, as estrelas que somem e aparecem ao anoitecer, que só dou-me conta de sua existência nas nubladas ou de chuvosas noites quando estas não se fazem presentes
A busca pelo isolamento durou poucos minutos, mais o sentimento que dele iniciou permaneceu e ainda foi incapaz de apagar-se na escuridão do fim do dia que já chegou
As ruas cobertas de gente, num fluxo constante e frio propiciaram a negação de qualquer olhar de qualquer contato de vida, de qualquer convite de café em qualquer cafeteria ao modo francês, para papear os velhos e novos assuntos desta conjuntura infame
A falta das mulheres que estiveram por aqui e agora somem como as estrelas, faz-me pensar sobre a arte, a literatura, a musicalidade, mas percebo que os sons dos gemidos desapareceram também
Ao controlar o desejo de ir ao cinema, por não ter nada aparentemente interessante que possa se considerar cultura, dentro dos conceitos mais conservadores e eurocêntricos – continuei a caminhar com a gente louca da cidade
A imagem de uma mulher nua me veio à mente, seu corpo esteticamente, padronizadamente burguesamente moldado tomou meu imaginário
Os brincos trocados nas frias e deliciosas orelhas, os colares compridos e belissimamente coloridos seriam as únicas peças que compunham seu modelito
Talvez amanha o dia renasça, com ele as pessoas estejam mais humanas eu desista da vontade de ir no cinema e me isolar, a noite aquela que das orelhas, colares e brincos trocados, possa aparecer e trazer consigo as estrelas
Willian Conceição é acadêmico de História
17 de outubro de 2010
A Primavera
Será que elas iram florir?
Quando se perde um grande e ilusório amor
Quer-se logo que a primavera apareça
Pra que com ela traga um grande novo amor, tão ilusório quando o anterior
Que as cores por estante volte e com elas as magoas possam desaparecer
Caminho pelas ruas com chuviscos que caem a molhar-me
A dor de garganta nesta noite é o único resultado que se expressa das olhadas encantadoras que surgem nos botequins noturnos da ilha
Do samba, minha fama de malandro me faz tirar bons proveitos, mais ainda assim são insuficientes para que a primavera volte e afaste o frio decadente do inverno que negasse a ir embora
O prazer do sexo que agora me toma parece ainda frio, em outros verão e em certos momentos doloroso demais para continuar
Os seios cheirosos das moças que me procuram, os gemer dos dentes e o suor dos corpos me espiram
Talvez seja o inverno constante que não passe que me faça querer viajar pra Sampa
Para o norte quem sabe as coisas esquentemMais ainda procuro aquela que levará o inverno, florirá a primavera para que as estações não passem sem que eu não sinta o melhor que nelas existem.
Willian Conceição é acadêmico de História e autor deste blog
9 de outubro de 2010
O que Jonh Lennon tem a nos dizer?
Figura emblemática Lennon moveu uma geração pós-guerra com a mensagem da paz e da liberdade, acusou e contestou o papel do cristianismo como estrutura que utilizava a fé para agir em outros campos como a política e a economia. Podemos afirmar que sua obra musical encontra no hall das engajadas politicamente.
Ser pessimista no âmbito da musicalidade principalmente a partir dos anos 90 é ser limitado. O pessimismo é pouco para corresponder a verdadeira tragedia que estamos a vivenciar. Nossa juventude foi ceifada pela lógica neoliberal que transformou tudo em mercadoria. Sem contestação, nem participação política e sentidos de transformação social vivenciamos uma crise de toda uma geração. Talvez seja o momento de resgatar os grandes marcos, as grandes figuras nacionais e internacionais da música, da arte, da literatura, dando espaço ao pouco do novo que vem se produzindo. Mas, como faze-lo? Regatando a mensagem de Jonh e outros, sem transforma-los somente em encartes na pratilheiras das lojas? Não sei! A cada estante que paro para pensar, fica claro que nosso desafio é maior das que os Beatles presumiam. Enfim, seguiremos!
Willian Conceição é acadêmico de História
Imagine - Jonh Lennon
Imagine
Imagine não existir céu
É fácil se você tentar
Nenhum inferno abaixo de nós
E acima apenas o espaço
Imagine todas as pessoas
Vivendo para o hoje
**
Imagine não existir países
Não é difícil de fazê-lo
Nada para matar ou por morrer
E nenhuma religião
Imagine todas as pessoas
Vivendo em paz
**
Você pode falar que eu sou um sonhador
Mas não sou o único
Desejo que um dia você se junte a nós
E o mundo, então, será como um só
**
Imagine não existir posses
Surpreenderia-me se você conseguisse
Inexistir necessidades e fome
Uma irmandade humana
Imagine todas as pessoas
Partilhando o mundo
**
Você pode falar que eu sou um sonhador
Mas não sou o único
Desejo que um dia você se junte a nós
E o mundo, então , será como um só .
8 de outubro de 2010
“Não acreditem no impossível”! Agradecimentos.
Havia um homem que já não sonhava, e desta forma vivia a caminhar sem rumo pelas ruas e vielas dos guetos que sua sorte o tinha apresentado.
Não era velho, nem jovem, teria perdido o sentimento da liberdade a muito, caminhava a beber para matar a fadiga dos trabalhos dolorosos que o mundo lhe atribuía.
Nem as caminhadas, nem a bebedeira infame, muito menos as dores haveriam de fazê-lo esquecer os sonhos da juventude. Para ele a realidade teria transformado-se numa cruz de pedra, grandiosa e pesada, tanto, quanto a do próprio Cristo a séculos pregado por suas falácias desagradáveis aos donos do poder.
Não tinha sido crucificado como Cristo, porém a morte era sua vida e a vida tinha cheiro e cores da própria morte. Seus sonhos a muito o perturbava, era o desejo mais profundo pela liberdade e pelo próprio resgate da vida.
Ao caminhar como errante, como muitos personagens das literaturas que lia quando jovem, lembrou um dia de uma caixa de projetos que a tempos tinha montado com amigos e amigos. Os amigos se foram, também tinham ao longo do tempo abandonado os projetos de liberdade.
Quando o homem ao chegar em casa, sem tempo para tomar alguns goles de água para refrescar a garganta seca do duro sol que esquentava sua cabeça. Apressou-se a buscar a velha caixa que guardava em cima de um guarda-roupa, mais ao procurar não encontrou e nervoso por relembrar os sonhos vasculhou toda a casa, desesperado chorou, e chorou.
Ao perceber uma porta entre aberta, lá estava seu filho sentado no chão com muitos e muitos papeis e algumas canetas a mão. O homem desesperado percebeu-se do problema que estava a sua frente. Os sonhos se foram pensava ele, os sonhos se foram! Gritou com o filho pequeno, buscando alguma explicação lógica para que aquela criança esta a destruir projetos e sonhos.
Foi quando depois de gritar perguntas ao filho de 10 anos, o homem foi respondido com calmas palavras.
- Pai, encontrei em seu quarto uma caixa que estava escrita “meus sonhos”, ao olhar dentro dela encontrei papeis com escritos quase apagando-se e desta forma fortaleci os traços dos seus e com os papeizinhos que estavam em branco escrevi outros e outros projetos e sonhos que um dia realizarei.
Mas, afirmou o menino ao seu pai, que seus sonhos ele guardava nos bolsos e não numa caixa escura, suja e abandonada em cima de um guarda-roupa.
O homem ao deixar cair a ultima lagrima, sentia uma forte vontade de sorrir, sorrir como na juventude. Percebeu que os sonhos não tinham morrido como o Cristo na cruz, apenas estavam guardados em uma caixa escura e velha que o pequeno filho teria recém descoberto.
“Não acreditem no impossível”! Agradecimentos.
Como nessa pequena historinha do homem que escondeu seus sonhos e projetos num guarda-roupa que só seu filho pequeno encontrou, os libertando para serem vivenciados sem medo. Iniciamos também no começo deste ano de 2010 parte de um projeto carregado de sonhos, sonhos de um dia conseguirmos construir nesse país a verdadeira justiça e igualdade, onde não existam trabalhadores sem teto, sem terra, jovens sem acesso a educação, homens e mulheres sem saúde e a caminhar sem rumo a procura de seus próprios sonhos perdidos.
Demos continuidade a uma longa luta que diariamente está em curso no Brasil e no mundo, a luta desenvolvida por milhões e milhões de militantes pela causa da revolução socialista. Neste ano, além de estarmos envolvidos em diversas lutas com os movimentos sociais pela reforma agrária, em defesa da moradia, das áreas tradicionais e do transporte público, decidimos romper as cercas e assumir uma posição política frente a despolitização vivenciada nas ultimas décadas, principalmente no que refere-se ao processo eleitoral.
Muitos camaradas não compreenderam nossa posição, de desejo militante de colaborar ainda mais no projeto de construção de uma nova sociedade, desejo que nos fez lançarmo-nos, nos doamos e nos expomos abertamente para que de alguma forma as propostas e problemáticas dos movimentos sociais estivessem sendo apresentados mais uma vez ao conjunto da sociedade. Assim como fazemos quando ocupamos universidades, prefeituras, câmara de vereadores, latifúndios para denunciar, reivindicar e propor políticas que construa a consciência coletiva que nos levara a um processo de ruptura com o atual sistema de injustiça, morte e desesperança, por esse motivo entramos no processo eleitoral 2010. Com duas candidaturas articuladas (Ivan Rocha e Willian Conceição) com um projeto maior puxado pelo companheiro Plínio de Arruda Sampaio que consistia em falar sobre o Brasil real e cruel que estávamos vivenciando de norte a sul do país é que aceitamos o desafio.
Entramos e saímos confiantes na luta construída diariamente nas comunidades e nos espaços que transformamos politicamente, não seria justo aqui não expomos a experiência conquistada nesses três meses de campanha. Experiência garantida ouvindo as pessoas, voltando as comunidades onde sempre estivemos militado, nas tentativas de apoios que não vieram, apreendemos que o sonho de um mundo sem desigualdade deve ser construído e que a realidade social que mais uma vez presenciamos é cruel e desoladora.
Tivemos muitas dificuldades em todo esse processo, leia-se financeiras e de disponibilidade de tempo para que tivéssemos na rua, esses entraves nos impediram de alcançarmos melhores resultados, não somente os resultados das urnas, mais o resultado de reunir mais e mais pessoas para juntos pensarmos e publicizarmos aquilo que ajudamos a construir nas lutas diversas que estamos envolvidos. Nosso lema nessa eleição foi “Ocupar todos os espaços para fortalecer a luta popular”, analisando que estamos em um momento critico da própria construção das lutas sociais.
Portanto, a luta continua! Desta forma quero agradecer a todos que disponibilizaram seus votos, que ajudaram a divulgar nossas propostas e sonhos e que foram agentes nesse processo, pra além do votos, nosso resultado significou confiança e desejo da mudança radical para uma nova sociedade. Continuaremos construindo as lutas e fortalecendo o PSOL como alternativa capaz de mobilizar e organizar os lutadores na busca do acumulo de forças para construirmos o Brasil socialista que queremos.
Atenciosamente,
Willian Conceição
PSOL Santa Catarina
10 de agosto de 2010
Exposição Fotográfica: Diálogos Afrobrasileiros
Diálogos Afrobrasileiros
Desde 1986 diversos cursos sobre temas afrobrasileiros foram ministrados na graduação em Ciências Sociais do CFH/UFSC. Em 2010, vinte e quatro anos depois, este conteúdo curricular finalmente se integrou ao rol de disciplinas obrigatórias do curso.
Fato histórico? Sim, não e talvez.
Esta exposição comemora uma vitória através dos trabalhos desta turma pioneira de 2010. Ao longo de um semestre, o curso desenvolveu um programa de estudos sobre a epistemologia dos estudos afrobrasileiros - os principais autores, temas, teorias e metodologias.
Neste momento de comemorações me sinto honrada em apresentar resultado tão surpreendente, que testemunha envolvimento e criatividade das alunas e alunos da UFSC quando desafiados a buscar neste campo de estudos imagens em diálogos através da fotografia e da escrita.
Esta exposição reúne e exibe principalmente a coleção de fotos produzidas pela turma de 2010. Cada foto procura dialogar com um texto já publicado e de autoria consagrada, compondo um universo de impressionantes fragmentos e revelando a instigante formação da cultura brasileira, propondo reflexões, sugerindo infinitas possibilidades de leituras, inspirando novas pesquisas.
Ilka Boaventura Leite
Curso de Ciências Sociais da UFSC
7 de agosto de 2010
Armas, cavalos e escavadeiras
Tenha pena, sim! Pois já que os governos que nos cabem respondem pela concentração de terras, geradora da miséria que constitui a realidade infame, que podemos constatar nos campos e nas cidades.
Lá vem a polícia! Grita simples senhora. Armas, cavalos e escavadeiras é o que enfrentam em busca de áreas a reproduzir suas tradições alimentares. Talvez habito arcaico que já não cabe as sociedades modernas, dizem, onde na vastidão dos campos não se vê mais homens e sim maquinas – a trabalhar.
Hoje as cercas do latifúndio e a impunidade de políticas públicas que as enfrente-as excluem cerca de cinco milhões de famílias de trabalhadores rurais de viverem dignamente de um patrimônio da humanidade, cercado e a beneficio de poucos.
Em Santa Catarina não é diferente, o avanço da monocultura do pinus, do eucalipto, assim como as transnacionais formam bolsões de pobreza nas áreas rurais e fortalecem o êxodo rural.
A realidade sentida nos Areais da Ribanceira em Imbituba onde trabalhadores tradicionais que ocupam a região à décadas e reivindicam sua posse desde os anos 70, passam por ação de despejo pela “polícia militarizada do tempo”, dos governos e dos poderes econômicos – reforça a impunidade do desgoverno social que temos.
Que Oxála além de pena, carregue essa gente sofrida de garra, lutas e vitórias.
10 de junho de 2010
Polícia Federal despeja quilombolas de terras que tradicionalmente ocupam
Na manhã do dia 26 de maio, a comunidade quilombola de Barra do Parateca, no município de Carinhanha, localizado à 900 km de Salvador na região Sudoeste da Bahia, sofreu a intervenção da Polícia Federal , que destruiu casas, roças de abóbora, feijão, milho, mandioca, batata, melancia e expulsou animais em área ocupada pela comunidade, com 250 famílias, há mais de cem anos.
Movimento dos Trabalhadores Assentados, Acampados e Quilombolas - CETA
Comissão Pastoral da Terra – CPT/Centro Oeste da Bahia"
Link: https://www.abpn.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=521%3Apolicia-federal-despeja-quilombolas-de-terras-que-tradicionalmente-ocupam&catid=1%3Anoticias&lang=pt
2 de junho de 2010
Nota pública da Frente de repúdio à ação da Polícia Militar de SC
A Frente de Luta pelo Transporte Público vem por meio desta nota repudiar a ação da Policia Militar de Santa Catarina na noite de 21 de maio, que colocou em risco a vida dos cidadãos que manifestavam seu repúdio ao aumento da tarifa e os princípios constitucionais de respeito a integridade física e moral do indivíduo, de liberdade de imprensa e de livre manifestação. A ação da PM e seu efetivo especializado (PPT, BOPE) contou com a aplicação a revelia de choques elétricos nos cidadãos, e ainda com nítidas manobras violentas e em alta velocidade com suas viaturas contra o corpo da manifestação.
Consideramos ainda a detenção arbitrária dos dois manifestantes acusados de danificar o patrimônio público por causa de pichações no centro da capital é uma afronta à inteligência do povo catarinense. Primeiro detiveram dois
manifestantes e depois tiraram fotos aleatórias dos locais pichados, atribuindo arbitrariamente a responsabilidade aos detidos. Tal atitude não passa de uma tentativa de usar a intimidação para calar a boca da Frente, já que nossos objetivos são justos e legítimos e vão contra os interesses de uma pequena, mas poderosa elite da nossa cidade de Florianópolis, que controla privadamente o transporte coletivo a mais de 40 anos, e assim com sua força econômica compra a classe política e faz da PM/SC um instrumento político (e violento) de seus interesses. A Frente de Luta pelo Transporte Público também repudia a prisão do jornalista que trabalhava cobrindo a manifestação, demonstrando outra prática coerciva da polícia que é ameaçar, intimidar e nesse caso até prender, quem ousar filmar e registrar as barbaridades cometidas pelos policiais em “trabalho”.
As bravatas do comandante tenente-coronel Newton Ramlow (que outrora já se afirmou combatente contra os Movimentos Sociais da cidade) e de seus comandados, ao chamar os manifestantes de “vagabundos” e “filhos da puta” (sic), demonstra a incapacidade desses servidores públicos em cumprir com a função que lhe foi atribuída pela sociedade dentro do cumprimento das leis.
Chamamos a atenção que muitos desses xingamentos desferidos pelo coronel e por seus comandados contra mulheres e crianças ferem também a lei Maria da Penha e o Estatuto da Criança e do Adolescente e não condiz com critérios éticos estabelecidos por lei aos servidores públicos.
A Frente exige a abertura imediata de inquérito e processo administrativo, disciplinar e criminal contra os policiais e seus comandantes envolvidos na noite do dia 21 de maio de 2010, como uma forma de garantir o Estado Democrático de Direito.
Florianópolis. 24 de maio de 2010.
É hora de estudar a história da África
Debate surgido de audiência no STF sobre sistema de cotas raciais põe em relevo os laços entre passado escravista e políticas afirmativas.
Causou polêmica a decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), quando decidiu convocar audiência pública para tratar da inconstitucionalidade ou não do sistema de “cotas raciais” vigente no país. Mais polêmicas foram as declarações do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) em torno do assunto. O senador pretendeu “lavar as mãos” no lavabo da história. Sua retórica eximiu qualquer responsabilidade brasileira no tráfico negreiro, pois os africanos praticavam a escravidão na própria África, sentenciou o senador. Ainda fez uma apologia carnavalesca da miscigenação no Brasil. Enfim, se esforçou para minar alguns fundamentos históricos da política de “cotas raciais”, adotada em mais de 60 instituições de ensino superior em todo o país.
Nos últimos dias, alguns jornalistas, historiadores e sociólogos contribuíram para o debate na imprensa nacional. Mesmo que as cotas e outras políticas afirmativas suscitem controvérsias, ao menos, uma coisa é certa: urge estudar a história da África.
Se alguns senadores da República não tiveram a chance de estudar a recente historiografia e conheceram de través os clássicos, as novas gerações têm sobre eles uma grande vantagem. Após a Lei nº 10.639, que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afrobrasileira nas escolas, a tendência é melhorar o nível de formação dos discentes e, por conseguinte, da nova geração de políticos.
Para se precaver da tendência revisionista ou de fazer tabula rasa da história afrobrasileira, especialmente no que tange à escravidão, o estudo da história da África é, no mínimo, indispensável. Nas palavras do embaixador Alberto Costa e Silva, “a história da África é importante para nós, brasileiros, porque ajuda a explicar-nos. Mas é importante também por seu valor próprio e porque nos faz melhor compreender o grande continente que fica em nossa fronteira leste e de onde proveio quase a metade de nossos antepassados. Não pode continuar o seu estudo afastado de nossos currículos, como se fosse matéria exótica”.
Cabe lembrar que esforços têm sido feito nesse sentido nas últimas décadas. Agostinho da Silva foi um dos idealizadores do Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade da Bahia, instituição que formou vários especialistas como, por exemplo, Yeda Pessoa de Castro, Vivaldo Costa Lima e Paulo Fernando de Moraes Farias. Também foram criados o Centro de Estudos Africanos da Universidade de São Paulo e o Centro de Estudos Afroasiáticos da Universidade Cândido Mendes (RJ). Cada um desses renomados centros tem sua revista que, com regular periodicidade ao longo de décadas, divulga o trabalho de especialistas em História da África ou de História Afrobrasileira. Com a consolidação dos cursos em nível de pós-graduação em história no país, a produção historiográfica brasileira tem sido uma das mais promissoras, em termos quantitativos e qualitativos, quando o assunto é escravidão atlântica.
Traficantes de escravos como Francisco Félix de Sousa, Joaquim Pereira Marinho e Domingo José Martins não são mais nomes desconhecidos dos estudantes de história. Sabe-se hoje o quanto o Brasil teve uma posição de supina importância no comércio de escravos, como o demonstraram Luiz Felipe de Alencastro em Trato dos Viventes e Manolo Florentino em Costas Negras, obras que já nasceram clássicas. Além desses estudos, a nova historiografia está conseguindo tirar do anonimato trajetórias de escravos que não puderam eles mesmos escrever sua própria biografia, como Equiano, ex-escravo, abolicionista e um dos primeiros escritores negros de língua inglesa. Do historiador João José Reis, o livro recentemente publicado sobre a biografia do africano Domingos Sodré é um belo exemplo dessa nova tendência historiográfica.
Na mesma vaga, tem-se o livro de Randy Sparks sobre a trajetória de dois príncipes africanos em Calabar (na costa da Nigéria) que, de comerciantes de escravos, viraram escravos nas mãos dos ingleses em 1767. Cativos na Virgínia, eles conseguem finalmente fugir para Bristol, onde se convertem ao metodismo. Com a ajuda de abolicionistas ingleses, eles conquistam a liberdade e voltam para a África, onde acabam se envolvendo novamente com o comércio de escravos. The Two Princes of Calabar (Os Dois Príncipes de Calabar) foi publicado pela Editora da Universidade de Harvard em 2004 e ainda aguarda tradução para o português.
Se os relatos de traficantes como Theodor Canot ou William Snelgrave, de abolicionistas como o inglês William Wilberforce ou o africano Equiano e as histórias de vida como de Domingos Sodré ou Robin John nos trazem diferentes perspectivas sobre a escravatura, resta imponderável a experiência trágica de quem passou pelo crisol da escravidão.
Historiadores como John Thornton, Paul Lovejoy e Olivier Pétré-Grenouilleau têm mostrado diversos aspectos da escravidão africana. Não restam dúvidas sobre as dezenas de reinos africanos que participaram do comércio de escravos, das centenas de régulos e comerciantes nativos que viviam da escravidão africana, dos milhares de europeus envolvidos com a compra e venda pelos portos negreiros do Atlântico e de milhões de africanos escravizados e levados para as Américas. No Brasil, além de uma minoria branca proprietária de escravos, houve, sim, brasileiros traficantes, mulatos e mesmo negros senhores de escravos. Mas o que isso pode mudar diante do insofismável número de afrodescendentes vítimas da exclusão social?
O estudo da história não deve ser confundido com um tribunal. Isso não significa mare liberum para navegar opiniões levando apenas lastro. Nesse sentido, a historiografia deve balizar as discussões. Diante dos arrivistas e panfletários de plantão, a presença dos historiadores no debate sobre as cotas ou demais políticas afirmativas favorece o esclarecimento de certas articulações entre o passado e o presente.
Mas as cotas não servem para corrigir o passado. Ele é irreversível e, por conseguinte, incorrigível. As cotas servem para projetar um futuro diferente, isto é, sem as desigualdades “raciais” do passado e do presente. No seu livro A Escrita da História, Michel de Certeau nos ensina que o lugar que a história destina ao passado é igualmente um modo de dar lugar a um futuro.
* SÍLVIO MARCUS DE SOUZA CORREA é Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Catarina, doutor em sociologia pela Westfälische-Wilhelms-Universität Münster, co-autor (com René Gertz) de “Historiografia Alemã Pós-muro” (Edunisc, 2007)
Legenda da Foto: "Navio negreiro" de Johann Moritz Rugendas (1830)
11 de maio de 2010
13 de Maio: Abolição inacabada
Isso tudo para que possamos avaliar criticamente o processo de libertação dos escravos e a situação de seus descendentes. Quais as verdadeiras mudanças que ocorreram na sua condição estrutural nestes muitos anos? E por que são os negros homens, mulheres e crianças os com piores trabalhos, pior acesso a educação, a saúde, a moradia digna e segurança?
Indicação de Leituras sobre o tema:
Clóvis Moura. Rebeliões da Senzala; São Paulo: Editora Ciências Humanas, 1981.
Clóvis. As injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira; Belo Horizonte: Oficina do livro, 1990.
Manoel Bonfim. O Brasil nação: realidade da soberania brasileira; Rio de Janeiro; Francisco Alves, 1931.
Zilá Bernd. O que é negritude; São Paulo; Brasiliense; 1988.
Willian Luiz da Conceição é acadêmico de História da UDESC, pesquisador da temática de afro-descendência e militante do PSOL Santa Catarina.
ligaspartakus@gmail.com
Semana de protestos contra o aumento das tarifas do transporte público em Florianópolis
Além dessas duas grandes manifestações, atos descentralizados em diversas regiões da cidade ocorrerão ao longo da semana, em especial na segunda e na terça. Na quarta, a partir das 11h30 em frente ao Ticen um ato de chamada para a grande manifestação de quinta-feira irá ser realizado, com assembléia de rua e intervenções artísticas.
Chamamos toda população a participar das manifestações e integrar ativamente esta luta, organizando atividades e protestos nos bairros, escolas e locais de trabalho. Seguiremos firmes nas ruas de Florianópolis, até a tarifa baixar!
Contra o aumento das tarifas do transporte!Por um transporte público, gratuito e de qualidade para o conjunto da população!Resistir até a tarifa cair!
Florianópolis, 07 de maio de 2010.
6 de maio de 2010
O debate das cotas raciais
Por Willian Luiz da Conceição
O debate das ações afirmativas para negros permeia a discussão política e social no Brasil. Está temática dividi a todos dentro ou fora das universidades. Este debate recorre a um período triste de nossa história e que deixou no país traços ainda hoje sentidos na realidade brasileira.
Compreender as cotas raciais como uma medida necessária, complexa, momentânea e assistencial representa um amadurecimento da consciência de entender que a história de um país escravocrata ainda pesa sobre nós.
Historicamente várias medidas foram criadas pelo Estado para diminuir as desigualdades construídas a partir das dominações especificas, contra grupos sociais. Podemos citar as ações afirmativas para mulheres como o tempo inferior de trabalho para aposentar-se, que ao longo do tempo se constituiu como um direito assegurado por sua luta.
Está medida foi “entendida” como necessária pela sociedade brasileira por compreender que estás sempre foram tratadas como objeto de cunho sexual, material e de fetiche em um país desde sempre machista, além das suas condições essenciais de mãe...
O negro ao longo da sua trajetória foi discriminado, explorado e teve sua dignidade humana negada por quase quatro séculos, com isso tornou-se a parte mais pobre em uma sociedade que mesmo com a mestiçagem não aboliu o preconceito e a discriminação.
Segundo vários historiadores e sociólogos como Florestan Fernandes, o negro pobre possui dupla barreira a ultrapassar, barreiras que tornaram o negro não somente vítimas das desigualdades mas que afetou sua própria auto-estima, percebível no preconceito das piadas contra sua cor, cabelo e intelectualidade. O debate das cotas não representa um debate sobre capacidade humana, mas de oportunidade negada.
Sinônimo de igualdade não é tratar iguais aqueles que são iguais, mais diferentes aqueles que tiveram trajetórias diferentes.
Talvez a maior contribuição das cotas no Brasil seja a de levantar a discussão de quem tem acesso a universidades (apesar que não nega a necessidade de melhoria da educação ampla) e principalmente em desconstruirmos o imaginário de um país de uma suposta democracia racial.
Willian Luiz da Conceição é acadêmico de história e pesquisador da temática de afro-descendência.