20 de novembro de 2010

A imagem que criamos: 20 de novembro e os desafios da desconstrução da democracia racial

Willian Luiz da Conceição*

Morreu na luta, um negro a ser lembrado – Zumbi dos Palmares, diziam. Apesar das controvérsias que hoje os estudos apontam acerca deste importante personagem da resistência ao sistema colonial escravista brasileiro, a data de 20 de novembro, dia de sua morte em 1695 tornou-se símbolo da consciência negra e do pensar a condição da população afro-brasileira no país.

Sem vitimismo, é importante lembrar que o Brasil teve como base de sua formação o sangrar de milhões de corpos humanos, desumanizados, inferiorizados e forçados como bichos nos engenhos, cafezais e minas. De todos os cantos do continente africano viriam, diversas culturas, formas de ser e ver o mundo – essa pluralidade pode ser compreendida como sendo própria do continente africano. Negada sim, apagado através do atlântico, não.

É através da história da resistência desses povos no Brasil e de seus descendentes, expresso nos quilombos que resistiram e resistem até hoje, nas centenas de revoltas, no samba de roda, do candomblé e da macumba, da luta do movimento negro por direitos sociais, assim como do levante dos malês de 1835 na Bahia, que a data de 20 de novembro permaneceu para construir um olhar crítico da história e da realidade infame que são vitimas a população afro-descendente mesmo após a abolição formal de 13 de maio de 1888.

O mito da democracia racial e da eliminação do preconceito a partir de um país mestiço, simbolizado e apregoado na obra de Gilberto Freyre, Casa Grande e Senzala conduziu-nos a pensar a importância cultural do negro para a identidade nacional, mas essa foi incapaz de apagar a estrutura desigual e racista que está intríseca no Brasil. Invisibilizados, são as maiores vitimas da insegurança pública, acarretam as piores condições de trabalho e moradia, possuem as maiores dificuldades no acesso a universidade e a saúde pública, mesmo sendo metade da população brasileira (PNAD 2005).

A arte, a literatura são expressões de uma retórica/discurso e refletem um olhar e uma tese sob dada realidade. Para isso é importante analisa-las e perceber como foi construído e pensado o negro. na obra do espanhol Modesto Brocos erradicado no Brasil, intitulada 'Redenção de Cã', é retratada a salvação dos descendentes Cã, filho mais jovem de Noé. Cã é pai do servo Canaã, origem dos camitas e dos diversos povos de “raça” negra, esses estariam condenados à servidão, segundo o pensamento que justificou a dominação dos europeus sob essas populações. O quadro representa a forma segundo o artista, que esses povos teriam para alcançar o perdão e quebrar a maldição de serem negros – a mestiçagem.

Na imagem está uma avó negra, uma filha mestiça, um genro de tipo ibérico, deste processo nasce uma criança branca. A teoria do intercruzamento entre brancos e negros levaria a um branqueamento da população, onde os negros desapareceriam gradualmente. Chegaríamos no século XXI sem negros no Brasil, afirmavam. Este foi o discurso muitas vezes apresentados pelas elites brasileira a nível internacional, expondo o grande exemplo brasileiro de democracia racial. Aqui aparece o negro como imagem a ser superada, desta forma cria-se uma hierarquia étnica onde o mestiço é uma etapa na busca do padrão ideal, leia-se o branco.

Multi-étnico o brasileiro é de fato, mais o importante é que possamos refletir na imagem que construímos acerca dos afro-brasileiros e o papel que essa população tem em nossa sociedade. Nosso desafio como nação é assumir as especificidade que nos deram origem, as desigualdades que nos assolam, desta forma é fundamental assumirmo-nos como nação racista que somos, para que o conjunto da sociedade possa debater abertamente nossos problemas e assim tornarmos capazes de alcançarmos uma verdadeira democracia.

* Willian Luiz da Conceição é acadêmico de História, Militante Social e bolsista/Pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Relações Interétnicas (NUER/UFSC).

ligaspartakus@gmail.com



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