18 de fevereiro de 2010

Carta ao MST/SC

Militante do PSOL faz carta para dialogar com Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra em Santa Catarina, propondo frente única social e política. Confira abaixo o texto de Willian Luiz da Conceição (ligaspartakus@gmail.com).

Aos camaradas do MST Santa Catarina,

Analisando a conjuntura nacional em meio a sua complexidade, agravada por estarmos às portas de mais um pleito eleitoral, apesar de não decorrer meramente por ser ano eleitoral, mas também pela desorientação, conformismo, frustração e “incapacidade” da esquerda de construir um novo projeto que aponte para o socialismo no Brasil, que venho dialogar e expor certos anseios em forma de desabafo e reflexão aos camaradas do MST de Santa Catarina.

É importante neste momento realizar uma análise histórica e de conjuntura que justifique uma nova tática. Muitos camaradas vêm discutindo o projeto original do PT, sua desvirtuação e a culminação de um longo processo político na eleição de 2002.

Em linhas gerais, é possível dizer que o PT nasceu da crítica ao antigo PCB e suas teses que indicavam uma pretensa “burguesia progressista”, ficção que a própria história deu cabo, mas também sem ver qualquer alternativa no trabalhismo ou em qualquer espécie de social-democracia, na humanização do capitalismo ou mera diminuição de suas desigualdades sem sua superação.

A prática negativa do PT indicava uma profunda relação com as bases dentro de suas instâncias, na organização popular nas lutas cotidianas, na criação de uma cultura classista e no apontamento de um socialismo democrático. O mesmo processo político que criou o PT também criou a CUT, o MST e a refundação da UNE. Todos esses agentes políticos apostavam no protagonismo da classe trabalhadora, reforçando a máxima segundo a qual "A emancipação da classe trabalhadora será obra da própria classe trabalhadora”.

Esse momento da história também tinha clareza quanto ao papel do pleito eleitoral e do caráter da participação das organizações populares nas eleições. O pleito servia para mobilizar os trabalhadores, denunciar as mazelas incuráveis do capitalismo e construir na consciência dos trabalhadores a ideia do socialismo. Por várias razões as eleições passaram a ser encaradas de modo diferente: servia a manutenção de estruturas do Estado que garantiam o funcionamento do PT e, ocasionalmente, ajudavam na melhoria da vida dos trabalhadores.

A eleição de 2002 serviu para deixar cristalinamente claro a mudança do projeto político do PT, que se processava, cada vez mais à direita, com avanços e recuos, desde sua fundação. O projeto de Lula não significou nenhum avanço rumo ao socialismo. A vitória eleitoral demonstrou a incapacidade de modificar a lógica e a estrutura social, econômica e política que sempre reinou desde a invasão européia neste território por dentro do Estado, por seu ganho progressivo e continuado. Ao contrário, mostrou apenas uma descaracterização do seu projeto inicial.

Este país não se modificou com a vitória de Lula a presidência da republica, o que vimos desde em tão é a manutenção e o reforço das políticas neoliberais. Da falta de uma política séria que resolva o déficit habitacional, que chega próximo de 9 milhões de residências, além da falta de emprego digno (aumento das terceirizações e desqualificação do trabalho), avanço das multinacionais, da degradação do meio ambiente, da corrupção, da utilização das forças armadas na destruição da soberania de outros povos, das mortes no campo brasileiro e da estagnação da reforma agrária entre outras políticas que se poderia citar afim de comprovar o fracasso do governo do PT de Lula.

Mas tenho que também pontuar algo tão grave quanto a irresponsabilidade daqueles que governam o Brasil: a estagnação da luta de classe no país. Ainda incapaz de ser medida, certamente esse elemento deixará suas marcas ao longo de muitos anos. Está estagnação foi o resultado da tentativa de conciliar interesses antagônicos.

A estagnação também é percebida em diversos movimentos sociais, e em lutadores que de alguma forma contribuíram na construção do PT. Acompanhamos um período de estagnação nas ocupações de terras no Brasil parte atribuída a dificuldade de mobilização, a dificuldade de avanço da Via Campesina e principalmente do MST nas áreas urbanas onde vivem a maior parte da população brasileira, vítimas da pobreza generalizada que nos assola, a qual as políticas assistencialistas anestesiam o povo sem o compromisso de fortalecer os sujeitos históricos. A possibilidade de avançar para as cidades esbarra ainda numa grave e complicada situação interna do movimento/ou de suas lideranças de não conseguirem compreender os sujeitos sociais que vivem nas cidades e por escolha, necessidade e perspectivas vem por algum instante a integrar-se a organicidade do MST. Estás lideranças ou possíveis lideranças que apesar das diferenças em analisar e agir frente as investidas do capital, possuem caráter e certas clareza teóricas e praticas socialistas, são e vem sendo vitimas de discriminação a partir de um certo sentimento de posse de muitos membros-fundadores do movimento, impedindo que muitos destes possam dentro das diferenças construir um MST capaz de superar seus desafios. Isto sem duvida é um dos itens que terá de ser debatido, cedo ou tarde.
Mas não se resume às dificuldades de uma nova conjuntura, mas também de um certo compromisso com o PT, com o governo e com Lula que estagnou e vem estagnando certos movimentos e lideranças populares. No caso do MST, mesmo sem a ampliação do debate sobre a reforma agrária, muitos fazem a política do “menos pior”, se contentam com as migalhas na área técnica provindas pelo INCRA e as esporádicas desapropriações em terras devolutas, frutos dos focos de ocupações que continuam a acontecer. Isto vem sendo o grande avanço que muitos vem declarando ter ocorrido neste governo.

Somado a isso, vem a tona o perigo da criminalização dos movimentos sociais. O clima de despolitização ocasionado, por um lado, pelas políticas assistencialistas, que na prática atuam na desorganização dos movimentos sociais, e, por outro, pela acomodação de lideranças que acreditam que a política de migalhas representa um "avanço", acaba por gerar o clima mais favorável à criminalização dos movimentos. A cooptação de lideranças desarma os movimentos sociais em seu momento mais crítico, levando-o à acomodação e descaracterização. Se a direita ainda não conseguiu impor aos movimentos a criminalização total das ocupações de terra, o desarmamento de lideranças que, veladamente, apostam no debate eleitoral sob o ponto de vista do "menos pior" (Dilma), leva os movimentos sociais a um recuo total, a posições inferiores aquelas obtidas na era FHC. Que espécie de avanço é esse que implica na diminuição da liberdade política?

São essas as razões que me levam a discutir, fraternalmente, com todos os militantes do MST Santa Catarina o apoio à pré-candidatura do companheiro Plínio de Arruda Sampaio pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). O companheiro Plínio, além de presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária, conviveu com todos os momentos do ciclo político que lançou as bases para a construção dos principais movimentos sociais do país. Além de fazer um balanço crítico desses momentos, apontando as debilidades mas também as virtudes, a candidatura de Plínio retoma o vincula entre o pleito eleitoral e a organização dos movimentos sociais. Lançando os problemas e desafios do PSOL, MST, UNE, Frente de Esquerda ou seja aqueles que ainda possuem caráter socialista, num país arrasado pelo capital.
Plínio esteve sempre na linha de frente do debate a respeito da criminalização dos movimentos sociais. Desde sua participação no Tribunal Popular até em seus artigos e entrevistas Plínio mostra claramente, sem tergiversar, de que lado está, encarando a questão da criminalização como fundamental de ser pautada em um projeto eleitoral. Projeto eleitoral calcado no avanço dos movimentos sociais e na perspectiva de um Brasil Socialista, de uma reforma agrária autenticamente popular. Enquanto o presidente Lula e até lideranças notórias do MST buscavam desvincular-se da ocupação legítima da fazenda da CUTRALE, Plínio foi o único que teve coragem política de expor na Folha de São Paulo que, ao invés de 7 mil pés de laranja transgênicos, deveriam ser destruídos 70 mil, demonstrando seu apoio à ocupação. Não por radicalismo verbal, mas por entender que um projeto eleitoral que acumule no sentido do socialismo deve declarar abertamente seu apoio aos movimentos sociais combativos e a necessidade de se romper as cercas dos latifúndios.

Precisamos neste momento de crise generalizada da esquerda, reorganiza-la, está reorganização será com aqueles que apesar de todas as dificuldades e contradições, estão conseguindo supera-las, sem comprometer a luta entre as classes como vem fazendo o Lulo-petismo. Construir um programa que seja para além das eleições é o desafio de todos nós, um programa que resgate as bandeiras históricas dos trabalhadores e seus aliados como diminuição da jornada de trabalho, desapropriação das terras improdutivas e que não cumprem a função social, nem possuem responsabilidade com a soberania alimentar da população brasileira, assim como trabalho digno, saúde e educação pública e humana com acesso a todos e socialização das riquezas de um país rico e desigual. Estás pautas não será alcançada nem com apoios no candidato “menos pior” de Lula, nem com a indiferença frente as eleições, mas sim ocupando os espaços, expondo um programa e realizando as lutas diária de todos nós.

São essas razões, da rejeição da polarização Dilma e Serra, polarização despolitizada, que lanço ao debate o nome do companheiro Plínio e das candidaturas socialistas que serão lançadas em todo o país pela Frente de Esquerda (PSOL, PSTU e PCB), dispostos a construir conjuntamente com todos os socialistas este novo programa. Por isso e também porque acredito num Brasil Socialista e na capacidade do MST de ser o fio condutor desta nova reviravolta da esquerda que lanço está carta, mesmo podendo ser mal compreendido, por outro lado não poderei calar-me frente o fosso cada vez mais fundo que estamos a nos banhar.
Espero ainda que está, seja lida em todas as instancias da organicidade do movimento no Estado seja eles em núcleos dos acampamentos, assentamentos, setores e na própria direção estadual.

Saudações Socialistas,

Willian Luiz da Conceição

Militante do Partido Socialismo e Liberdade em Santa Catarina (PSOL) e Colaborador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/SC).

17 de fevereiro de 2010

O Problema do Aborto


Por Plínio de Arruda Sampaio

Como cristão, meu posicionamento pessoal diante do problema do aborto é ditado pelos valores da minha fé. Felizmente não tive, no decurso dos meus cinqüenta anos de casamento, necessidade de enfrentar essa questão. Por isso, sempre a abordo com muita humildade e com espirito de solidariedade pelos que se vêm na contingência de enfrentá-la.

Como candidato a um posto de comando na estrutura de poder do Estado, minha posição precisa levar em conta a dimensão social e política do problema e o caráter da sociedade em que vivo – uma sociedade plural. Nesta condição, sou obrigado a cumprir a lei estabelecida e a contribuir, como minha opinião, para a formulação de uma lei que responda ao consenso ético da sociedade sobre o assunto.

Segundo as estatísticas centenas milhares de mulheres morrem ou sofrem danos físicos psicológicos graves em razão da ocorrência de um milhão e quatrocentos mil abortos clandestinos todos os anos. Trata-se, portanto, de um sério problema de saúde pública.

As medidas que o Estado brasileiro adotou para fazer frente a esse problema dividem hoje a sociedade: descriminalização e legalização constituem as reivindicações principais.

Apoio o movimento em favor da descriminalização do aborto porque evidentemente a lei atual demonstrou ser, não apenas ineficaz, mas claramente perniciosa, uma vez que obriga as mulheres a recorrer a pessoas despreparadas e inescrupulosas para interromper uma gravidez indesejada.

Em uma sociedade pluralista, o Estado não tem o direito de impor uma convicção fundada na fé de uma parcela da sociedade a pessoas que têm convicção diferente. Nesse tipo de sociedade, a posição do governante em relação aos costumes das pessoas deve ser ditada pela consciência ética coletiva a respeito desses problemas. A consciência ética coletiva do povo brasileiro não mais considera, como outrora, que a prática do aborto seja uma conduta antiética a ser penalizada pelo Estado.

Mas essa mesma consciência coletiva não admite a banalização do aborto e, muito menos, sua exploração para fins comerciais. Pelo contrário, todos consideram o aborto um mal, o qual, contudo, em determinadas circunstâncias, não pode ser evitado. Por isso, o Estado deve empenhar-se em preveni-lo, o que requer, além da descriminalização, a legalização e consequente regulamentação da intervenção abortiva.

Legalizar quer dizer submeter uma determinada atividade ou conduta humana à disciplina da lei. No sistema jurídico brasileiro, o que não é proibido é permitido, e o que não é permitido dá origem, automaticamente, a uma sanção estatal.

A legalização do aborto não pode ser entendida como a simples exclusão da pratica abortiva do campo do direito, como se a vida do nascituro não fosse um bem protegido pelo Estado. Pelo contrário, exatamente porque o estado tem o dever de proteger o nascituro, a legalização do aborto deve abranger a montagem de um complexo sistema de ações estatais, articuladas com ações de entidades da sociedade civil, a fim de combater a sua banalização e a sua exploração comercial.

Isto quer dizer que a lei deverá definir o aborto lícito e distinguí-lo do aborto ilícito, bem como estabelecer o efeito da lei em um e outro caso.
A questão central que surge então diz respeito à autoridade à qual caberá a decisão de usar os procedimentos de interrupção da gravidez.

Penso que essa autoridade deve ser a própria gestante. A ela e a mais ninguém cabe o direito e a responsabilidade dessa terrível decisão. Fundamento essa afirmação na certeza de que o instinto maternal defende com mais empenho o feto do que médico, juiz, sacerdote, conselheiro familiar, psicólogo ou quem quer que seja. Mas, para auxiliar a mulher nesse terrível e solitário passo é preciso revestir sua decisão de um procedimento legal adequado.

O que importa para o Estado é que a decisão da mulher seja tomada livre, consciente e responsavelmente nas fases iniciais da gestação. O aborto não pode ser fruto da frivolidade, da ignorância das suas graves conseqüências físicas e psicológicas, de um impulso momentâneo da mulher que descobre estar grávida, da pressão de terceiros, mas a conclusão amadurecida de uma reflexão profunda acerca das suas condições pessoais de ser mãe responsável e educar o ser que se desenvolve em seu ventre.

A legalização oferecerá à gestante os elementos indispensáveis para a sua reflexão e procurará comprovar o caráter livre da sua decisão. Por isso entendo que a legalização do aborto requer a montagem de um sistema integrado por três grandes estruturas: uma estrutura destinada à educação sexual da juventude e à vigilância dos costumes, a fim de combater a exploração comercial e delituosa do erotismo juvenil – uma das fontes da banalização do sexo e consequentemente do aumento do número de abortos; uma estrutura destinada a fiscalizar as intervenções abortivas, informando a gestante sobre as varias dimensões da sua decisão de interromper a gestação; e uma estrutura, devidamente financiada com verbas do Estado, para atender às gestantes pobres nos hospitais públicos e para amparar crianças cujas mães não têm condições de criá-las, porque, obviamente, a certeza de contar com um apoio eficaz para educar o filho estimulará a gestante a levar a termo a gravidez.

O elemento articulador dessas estruturas seria o Juizado da Família. Ao Juiz de Família caberia autorizar uma unidade hospitalar e um médico a interromper a gravidez após a manifestação formal da vontade livre, informada e responsável da gestante em procedimento judicial específico.

Não cabe, contudo, ao Juiz decidir pela gestante. Sua decisão é de natureza declaratória. Comprovado que a gestante teve à sua disposição os elementos requeridos para tomar responsavelmente sua decisão - a informação e o aconselhamento – ele autoriza a intervenção em tempo hábil. Sem a autorização judicial, o médico e o hospital que realizarem a intervenção sujeitar-se-ão às penas da lei.

O aconselhamento requer a entrevista da gestante com um conselheiro que a ela exporá o que significa interrupção da gravidez, sem contudo fazer inquirições ou admoestações que impliquem invasão à privacidade da mulher. Por isso mesmo, esse processo – de rito sumaríssimo, evidentemente – deverá ser realizado em segredo de justiça.

A exposição feita até aqui deixa ver que a interferência do governo estadual na questão aborto diz respeito à montagem das duas estruturas integrantes do sistema de prevenção e de fornecimento de atenção médico hospitalar gratuita para realização de intervenções abortivas em mulheres pobres.

Evidentemente, enquanto o aborto não for descriminalizado, os hospitais públicos não poderão realizar a intervenção. Mas nada impede que as estruturas de educação sexual e de amparo à criança cuja mãe não pode cria-la, sejam desenvolvidas, como uma medida para atenuar o problema enquanto não se consegue uma solução definitiva na esfera federal.



Plínio de Arruda Sampaio é promotor público aposentado e mestre em desenvolvimento econômico internacional pela Universidade de Cornell (EUA). Com uma história marcada pela atuação junto à Igreja Católica, é também um defensor da reforma agrária no país. Atualmente é presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA), além de ser Pré-candidato a Presidência da República pelo PSOL.

Setembro de 2006

16 de fevereiro de 2010

Diminuição da Jornada de Trabalho?


Por Willian Luiz da Conceição

Historicamente um debate permeia a política brasileira, motivado por sua importância estratégica para a mudança na estrutura social do país. Diminuição ou não da jornada de trabalho?

É evidente, na história da sociedade brasileira, que nenhuma conquista dos trabalhadores fora dada de mão-beijada pelo empresariado. Todos os direitos garantidos foram conquistas da classe trabalhadora, com um amplo debate com toda a sociedade.

São claras as propostas e os motivos que fizeram as centrais sindicais emplacarem no congresso nacional o debate da diminuição da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais.

Segundo o Dieese, o custo com salários no Brasil é muito baixo quando comparado com outros países, o que não prejudicaria à competitividade das empresas brasileiras como defendem muitos empresários. O peso dos salários no custo total de produção brasileira também é irrisório, cerca de 22% de acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Garantindo a redução de 44 para 40 horas semanais, isso representaria um aumento no custo total da produção de apenas 1,99%.

Outro motivo seria a irrelevância dos aumentos reais de salário nos últimos anos, o que causou um expressivo crescimento da produtividade do trabalho, podendo este ser transformado em redução da jornada legal de trabalho. Lembrando que a ultima redução ocorreu em 1988 na promulgação da Constituição, há quase 22 anos.

Outro importante debate é acerca dos milhões de brasileiros desempregados que seriam beneficiados. A medida tem potencial para gerar mais de 2,5 milhões de novos postos de trabalho, segundo pesquisa do Dieese.

Sem dúvida, a redução da jornada de trabalho sem redução de salários contribui para a melhor distribuição da renda no país. Com isso, o trabalhador poderia apropriar-se dos ganhos de produtividade e assegurar o direito universal ao trabalho. Assim teríamos como administrar sem percas a melhoria da qualidade de vida de toda a sociedade. Basta tomarmos está bandeira em nossas mãos.


Willian Luiz da Conceição é acadêmico de História e militante do PSOL em Santa Catarina. ligaspartakus@gmail.com

15 de fevereiro de 2010

Do Morro ao Asfalto


Por Willian Luiz da Conceição

“Quem não gosta de samba bom sujeito não é. É ruim da cabeça ou doente do pé.” Quem se atreve a dizer que não gosta de samba?

Apesar do carnaval ser uma festa de origem européia, surgida no entrudo português, festejo onde as pessoas lançavam uma nas outras, água, ovos e farinha. O entrudo ocorria em período anterior à quaresma.

Esta festa que daria surgimento a mais tradicional festa do Brasil, leia-se o carnaval, teve seu primeiro centro de influência na cultura de países europeus como Portugal, Itália, França entre outros. O entrudo teve sua inserção no Brasil no século XVII, mas vai se enraizar como expressão cultural a partir do século XIX com o surgimento dos primeiros blocos carnavalescos, cordões e corsos, levando às pessoas as ruas, todas fantasiadas e enfeitando seus carros, este ultimo dando surgimento mais tarde aos carros alegóricos.

No século XX o carnaval ganha apelo popular, dando surgimento às famosas marchinhas como “Acorda Maria Bonita, Levanta vai fazer o café”, entre outras milhares que se espalharam Brasil a fora. Estás (marchinhas) possuem características políticas e culturais influenciadas pelas mudanças sociais, políticas e econômicas que o país vive neste período histórico.

“Não deixe o samba morrer. Não deixe o samba acabar. O morro foi feito de samba”.

“Deixa Falar” foi à primeira escola de samba surgida no Rio de Jeneiro, no bairro de Estácio, apesar de seu período de vida ter sido razoavelmente curto, seus integrantes como Ismael Silva eram difusores de uma expressão musical “nova” – o samba. O samba na primeira metade do século XX teria se tornado o principal gênero da música popular brasileira, tendo neste período como principais compositores e interpretes Chico Alves, Nelson Gonçalves, Orlando Silva, Cartola, entre outros.

Outras escolas de samba viriam a ser formadas a partir deste núcleo “inicial” como a Mangueira e Portela, nascidas como organização de suas comunidades onde aglutinavam-se centenas de pessoas em barracões como verdadeiros lugares de sociabilidade destas populações.
O samba nasce como sinônimo de resistência de uma população negra, oriunda das periferias dos centros urbanos como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo difundindo-se por uma sempre maior massa popular em outros estados brasileiros. O samba se torna resistência e cultura de uma população cheia de vida, trabalhadora, marginalizada, negra e pobre dos morros brasileiros. O samba, genero musical, que se expressa atraves de ritmos e dança, de raízes africanas adaptas ao gosto e caracteristicas do criolo (negro nascido no Brasil), tornando e transformando-se em algo próprio do brasileiro e símbolo de uma certa identidade nacional.

“Apesar de eventuais preconceitos das elites intelectualizadas contra esse gênero saído dos morros cariocas, redutos dos pobres e excluídos, o mercado musical sempre conviveu muito bem com o imaginário impresso nas composições, fortemente apoiado em referências simbólicas – “o morro”, o “barracão”, a “favela” – originárias das rodas comunitárias onde eram produzidas. No final da década de 1950, contudo, esse convívio relativamente tranquilo começou a se alterar. Foi quando jovens da classe média, como Carlos Lyra, Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli, passaram a se reunir em apartamentos da Zona Sul do Rio de Janeiro para trocar idéias e propostas musicais. Não precisavam de muito. Bastavam “um cantinho, um violão”, como na música de Tom Jobim. Dispensavam a voz “impostada” dos grandes intérpretes do período e o aparato cênico que a Rádio Nacional e o cinema montavam para apresentar os novos lançamentos da MPB” Felipe Trotta.

Nascia a bossa nova como o “objetivo” de dar ao samba uma forma mais moderna “em sintonia com o desenvolvimentismo do momento político-cultural do governo de Juscelino Kubitschek. O Brasil vivenciava uma atmosfera de otimismo e de crença no futuro, e o novo gênero seria uma expressão legítima de tais sentimentos. Em vez dos antigos temas da música brasileira, falava-se agora do barquinho, do violão, do sol, do sul, do mar e do amor.”.

Em meio a outros gêneros musicais, o não desejo de modernização e mais tarde a falta de apoio do mercado, o samba se torna algo tradicional, tido por muitos como arcaico; do morro, da favela e de negro; onde seus adeptos se reunindo nos fundos de quintais tocando cavaquinho, pandeiro, cuíca, surdo e violão. Mesmo assim se torna ponto de referencia e de influencia para a formação, nem que por negação, de gêneros como a própria bossa nova, engajadas como as músicas de Chico Buarque, o movimento tropicalha, nos anos noventa do pagode, entre outros

Hoje surgem diversas criticas as escolas de samba, principalmente as do Rio de Janeiro por seu afastamento de suas determinadas comunidades, tornando o carnaval algo profissional e comercial. Milhões de reais são investidos pela prefeitura do Rio, além da comercialização previa de parte das alas para os estrangeiros.

Talvez os gêneros mesmo de contestação e mais populares sofrem com o tempo caráter mercadológico. Mesmo assim, podemos encontrar carnavais mais próximos da origem como em Florianópolis e São Francisco do Sul onde escolas são locais de referencia das comunidades que estão inseridas. Essa permanência na história e na origem do carnaval e do samba tem que resgatada, com pena da perda da identidade que se constituiu na periferia brasileira.


Willian Luiz da Conceição é acadêmico de História
Ligaspartakus@gmail.com