28 de janeiro de 2011

Anti-inverno do pudor: crítica curta ao carnaval

“É fevereiro, é fevereiro, tem carnaval, tem carnaval”. Não, é março, das águas de março! O calor deste anti-inverno parece desnudar toda essa gente que foge da nevasca do antes, velho e agora quase morto mundo. O verão deve ser condenado em todas as instâncias da legalidade dessa tal civilização. Algemado e levado a júri sem chances de defesa. Seu crime? Atentado violento ao pudor. Os motivos: por forçar-nos a transgredir as regras da boa moral e cairmos seminus a beira mar desejando que nada disso acabe. Se algo aqui for finito realmente que o céu ou o inferno seja moralmente dêspudorizado e que seja sempre verão, sempre. Mas já há algum tempo que o pudor civilizatório do caquético e falecido não reina nas mentes desse novo século, ou resiste a poucos corpos infelizes que continuam a buscar uma castidade e recato moral que os sirvam como calças que os jovens são incapazes de vestirem. Estamos todos nus, sem causas, sem lutas, sem nada. Estamos à beira mar tomando cervejas com técnicas globalizadas, pensando no que a noite poderá nos proporcionar; esperando que sejam seios que possamos apalpar, depois de uma carência de mais de 200 anos de luzes e pudores, gemidos que nos façam gozar só de sermos beijados a nuca e de qualquer mão que entre em nossas calças e vestidos. Já não buscamos construir algo que nos prendam a um céu onde todos os anjos já lançaram-se fora por preferirem o pecado desses malditos trópicos. Está aqui o velho discurso dos trópicos do pecado e da indecência, da mulata boa de cama e da exotização do carnaval. Sem morro, sem história, estórias, sem barracões. Parece que somos declaradamente pecadores, mesmo que defendamos que “não há pecado na parte abaixo do hemisfério”, talvez seja apenas o retorno à verdadeira humanidade, do mais sincero viver, sem luzes, como baladas frenéticas dessas raives que detestamos quando ouvimos dos nossos apartamentos, quando reunidos com poucos mais bons amigos, que ainda ouvem MPB e Bossa Nova. O samba permanece, a bossa nem tanto; a MPB anda cada vez menos popular. Até quando o samba viverá? As raives permanecem e crescem de popularidade mesmo com certa marginalização social como também foram ou ainda são, o samba e o carnaval. O samba continua um dos poucos resistentes, o carnaval sai à rua todos os anos, nu, desprovido quase totalmente de sua história, estórias, coisa pra turista ver e investir, investir. Mentira? Pergunte para os bons e velhos sambistas e carnavalescos. Tah, não vamos generalizar, mas que as raives continuam crescendo e que o samba continua um bom resistente, isso não podemos negar. Talvez, seja ainda o fenômeno que fez os anjos abandonarem qualquer coisa e lançarem-se, e que fez matar a idéia infame de civilização e perdermos todos os pudores. Mas que isso tudo não mate o samba e que as raives não cresçam tanto assim, já que o carnaval tá bonito, contente, valorizado, mas pelado demais pra gente.

Willian Luiz da Conceição acadêmico de história da Universidade Estadual de Santa Catarina (UDESC)

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