7 de novembro de 2009

Da África aos dias de hoje – O afro-descendente e a construção do Brasil

Por Willian Luiz da Conceição

A África foi a parte essencial da formação cultural, social e econômica de nosso país, sendo os negros, como afirmava Darcy Ribeiro, “ser a massa substancial da força de trabalho de construir o Brasil”. Foram trazidos, principalmente, da costa ocidental da África. Não podemos analisar este continente como algo homogêneo, mas sim como um território de dimensões astronômicas, verdadeiro berço da humanidade. As especificidades dos diversos grupos humanos que habitam/ou habitavam este continente é desconhecida pelo senso comum que generaliza a África como um único padrão cultural, religioso, econômico e social.

Os grupos que supostamente vieram para alimentar a empresa escravista no Brasil, com o objetivo de desenvolver e explorar a colônia, a partir da produção de açúcar, assim como a mineração de ouro e metais preciosos, tiveram como base os povos Yoruba – denominados como nagô, pelos Dahomey – chamados como gegê, e os Fanti-Ashanti, designados geralmente como minas. Estes, assim como outros menores grupos, vieram de regiões como Angola, Congo, Moçambique, Nigéria e Benin (antiga região do Daomé). Defende também Arthur Ramos (1940, 1942, 1946).

Todos estes povos possuem uma história extensa e dotada de grande complexidade. Muitos deles anteriormente a dominação europeia, produziam objetos de cerâmica, praticavam agricultura, conheciam a técnica da metalurgia e criavam gado. Se organizam em estruturas complexas como Estados que possuíam comércio e utilizavam a moeda como expressão monetária.

Os milhões de africanos sequestrados e trazidos para a América, principalmente para o Brasil, criaram de forma dolorosa tudo o que aqui se consolidou. Capturados e arrastados pelos pombeiros – mercador africano de escravos - utilizados pelos europeus para comercializar estes em troca de tabaco, aguardente e objetos de interesses destes grupos. A primeira leva de escravos transportados por navios continha cerca de 12 milhões de seres humanos. Destes, metade teve o Oceano Atlântico como cemitério. “Avaliado pelos dentes, pela grossura dos tornozelos e dos punhos, era arrematado. Outro comboio, agora de correntes, o levava à terra adentro, ao senhor das minas ou açucares, para viver o destino que lhe havia prescrito a civilização: trabalhar dezoito horas por dia, todos os dias do ano”, Darcy Ribeiro (1995).

O escravismo foi estruturado em alicerces constituídos pela violência bárbara e desumana, pela concentração do solo, exploração das riquezas e pela monocultura. Esse sistema tinha também como projeto a desconstrução cultural dos povos africanos, como vinham fazendo com os indígenas – sem sucesso. A linguística, parte da expressão e identidade fundamental de um povo, assim como outros aspectos culturais, como a religiosidade, foram manipuladas para impedir que houvesse tentativas de resistência por parte dos africanos. A diversidade linguística da África fez com que os portugueses evitassem a concentração de escravos originários das mesmas regiões étnicas em propriedades e navios negreiros. Assim buscavam destruir qualquer laço de identidade e solidariedade que houvesse entre o mesmo grupo.

Surpreendente é, ainda hoje, saber como os diversos povos africanos, assim como os indígenas sofrem com as tentativas de desconstrução de sua cultura, sendo forçados a deixar suas crenças, sua compreensão de mundo, deixando de ser eles próprios, numa tentativa de transfiguração que não vinga. Estes, juntamente com os indígenas que restaram do grande etnocídio, assim como a miscigenação com o português, esta impossível de deter, formou o povo que somos hoje, o brasileiro. Os negros e os indígenas impediram que nos tornássemos uma cópia da Europa. Impuseram, a partir de muita luta e resistência, novos padrões culturais que permanecem em todo o país, como o catolicismo brasileiro, as demais religiões, a culinária, a musicalidade, a força, o conhecimento, nossa beleza com os traços mais fortes, sem esquecer nossa subversão. Isto ainda é negado e marginalizado, o que faz dos afro-descentes vítimas de um processo de invisibilidade de uma sociedade de bases originárias e contemporaneamente marcada pelos preconceitos e pela exploração.

Muitos dos orixás trazidos da áfrica pelos escravos estão muito mais presentes na nossa cultura do que na cultura do continente negro. Os Orixás são as forças vitais que tudo gera e conduz. É a natureza e toda a sua expressão, como as águas, a terra, as árvores, o mar, o ar, assim como esta força que nos faz levantar todos os dias ou o que nos dá sopro de vida. Os negros brasileiros são sinônimo de fé, de força e de sobrevivência. As religiões de origem africana foram fundidas nas senzalas unindo diversos mitos, costumes. Sincretizado para deixar de ser algo próprio e se tornar algo brasileiro, como o catumbi, o candoblé, a umbanda e a macumba. Portanto, mitos como Iemanjá (a rainha do mar) sobrevivem em todo o território, do nordeste ao sul do Brasil.

Ainda hoje, mesmo com a generalização da pobreza, da violência entre brancos e negros, fruto de um sistema cada vez mais desigual e desumano, o negro é aquele que acarreta as piores condições de vida. São os que possuem o menor acesso a educação, ao emprego, a saúde e a moradia digna. São vitimas constante do preconceito institucionalizado, sofrendo reflexos históricos nas periferias. Essas se transformaram nas senzalas modernas onde os negros continuam sendo castigados aos montes.

Apesar disto, temos o exemplo de que o negro vem, ao longo do tempo, resistindo a sua condição de exploração e superando-a através das organizações culturais, religiosas e políticas, na tentativa de destruir a falsa democracia racial que se publicizou e garantir um país onde as riquezas não sejam benefícios de poucos. Cabe ainda debatermos amplamente as condições e a divida histórica que possuímos com o afro-descendente, assim como superarmos tal sistema, onde aqueles que produzem todas as coisas, são os mesmos que delas são excluídos.


Willian Luiz da Conceição – Acadêmico do Curso de História da Univille


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